Antes de passarmos para a seção dedicada aos pintores e escritores que foram influenciados pelo "homem autônomo" de São Tomás de Aquinos vamos esclarecer certos pontos que ficam meio obscuros na análise do amigo do Volney.
São Tomás trouxe uma bagagem aristotélica, enquanto que a comumente aceita naquela época era platônica. Ele realmente pôs uma linha divisória entre Graça e Natureza. É o próprio Schaeffer realça os benefícios deste tipo de análise.
O problema estaria então no suposto intelecto emancipado do ser humano:
"Embora bons resultados adviessem da posição de maior realce conferida à natureza, isso deu lugar a muita coisa de cunho destrutivo, como se verá. Na concepção tomista a vontade humana estava caída, mas não o intelecto. Dessa noção incompleta do conceito bíblico da Queda, defluiram todas as dificuldades subseqüentes. O intelecto humano se tornou autônomo. Em um aspecto era o homem agora independente, autônomo."
Quanto a esse assunto a Bíblia, mais especificamente Paulo, nos deixa em uma bifurcação. A filosofia (a razão humana) pode ou não discernir pontos que foram revelados? Sim e não.
Não, diz Paulo em 1Co 1:21
"Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação."
Sim, diz Paulo em Rm 1:20
"Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis;"
Como sair dessa enrascada bíblica?[*]
O caminho proposto por Aquino é sem dúvida válido, caso contrário não teria durado tanto tempo! Mas mais do que isso, ele simplesmente separa aquilo que é entendido via revelação e via raciocínio. Não conheço a fundo as teorias de Aquino, mas sei que existem coisas que estão ao alcance nosso só por uma via, ou seja, revelação. Mas como os indivíduos são diferentes e são inconstantes, algumas coisas se mostram acessíveis tanto por uma via (razão) como pela outra (revelação).
Peguemos como exemplo a criação do Universo ou a Ressurreição de Cristo. Houve um grupo de pessoas que presenciou esses fatos de forma empírica, ou seja, eles simplesmente aceitaram algo bem racional que os seus sentidos aprovavam como lógico e evidente. Mais tarde quando a história passou de boca em boca, já se exigia um pouco mais de fé, e um pouco menos de razão, mas uma boa dose de intervenção direta divina para dar credibilidade àquela narrativa, sendo que os homens são mentirosos.
Amar a Deus de todo entendimento conforme Mc 12:30 envolve essa luta racional. Deus não pede para irmos além de nosso entendimento, mas chegarmos a todos os seus limites. Obviamente uns tem limites mais amplos que outros e outros têm fronteiras mais curtas. E Deus conhece cada um.
Dou porém razão a Schaeffer num aspecto, provavelmente a teoria de São Tomás veio como que uma porta de escape para aqueles que já não agüentavam tanta pressão religiosa da igreja que, na idade média, detinha um poder absurdo.
Ou seja, entre um homem submisso às rédeas intelectuais da religião e um livre, ainda que sob o risco de abusos, que sempre ocorrerão de uma ou outra forma, prefiro o autônomo.
[*] Uma reflexão excelente nesse sentido encontra-se no Blog do Rubinho
2 comentários:
Difícil entrar nessa discussão sem recorrer a Pelágio. A crítica de FS alcançava Kant, no sentido de iniciar de si na base da razão para se ter fé ou mesmo de se chegar a concluir (sozinhos) que devemos ter fé em Deus e crer na salvação em Cristo.
Mexe - além da Hamartiologia com a Soteriologia. Mas aí é também entrar em seara obscura e difícil pois passaremos a discutir a Teologia (e até mesmo a validade dela ser Sistemática - que pra mim tenho minhas dúvidas).
Interessante também usarmos parte do texto de "Como então viveremos" de FS - Cultura Cristã, que repassa em mais detalhes a evolução dessa autonomia e das conseqüências em se (com base tão somente na Razão) tentar 'construir um sistema de fé ou de filosofia de vida'.
Pra quem não sabe, Pelágio foi considerado herege por não considerar o efeito da queda de Adão e o pecado original. Isso é século V - e no seu raciocínio acabava desconsiderando a necessidade da Graça.
Um dos pontos chaves da Reforma foi a ênfase no pecado original e sua herança para todos - daí o termo depravação total.
Schaeffer foi um dos primeiros caras - como reformado e fundamentalista - a inovar nesse sentido (provavelmente como influência européia - e pode ser inclusive - das Artes). Ele colocava muita ênfase em nós termos sido criados à imagem e semelhança de Deus. Ele trazia assim um equilíbrio para o radicalismo da doutrina da depravação total. Os radicais achavem que nadinha de bom pudesse sair do homem, uma vez ele caído e sem ainda a graça de Deus.
FS falou: peraí, tem coisa boa no homem, mesmo caído - veja as Artes por exemplo, veja as Ações Humanitárias. Ou seja mesmo que isso não leve a Deus, revela muito de Deus e de Seu amor pelos homens e mulheres.
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