terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Palavra final: Graça e Natureza

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Após me propor a estudar mais a fundo as obras de Schaeffer, coisa que iniciei há três anos atrás, me vejo forçado agora a abandonar a empreitada. Não incompleta, pois dou a comprida missão por cumprida.

De fato meu alvo pessoal era ir mais detalhadamente e a fundo nos dois outros livros: “o Deus que se revela”, e “o Deus que intervém”. Mas após ler “a Morte da Razão” e o “Então como Viveremos” e “o Deus que se revela” ficou-me claro o erro da principal tese de F. Schaeffer, a saber o fundamento da fé fundamentalista. A qual tentarei resumidamente re-apresentar aqui.

A tese de F. Schaeffer permeia todas essas suas três obras. E não precisarei ler “o Deus que intervém” para comprovar que a encontrarei ali também. Na verdade posso supor que ela estará em todas as obras do americano fundador do L'Abri.

Para a cosmovisão de Schaeffer o cosmo se divide em Graça e Natureza, que são indivisíveis…

Uma vez divididas, porém, elas devem ser entendidas sob a perspectiva Bíblica que as unirão, através da epistemologia Bíblica. Para o fundamentalismo a Bíblia é inerrante. Ela dá as cartas, ela define o jogo, ela estabelece as regras. Ela dá sentido aos termos.

Uma vez fixado isso FS estará contente e a vida deveria seguir seu curso normal, sem maiores problemas. Quando alguém porém começa a separar Natureza e Graça, e a esquecer-se da Bíblia procurando outras razões para as coisas da Natureza, ou da Graça, correrá o sério risco de tornar-se livre, ou autônomo no que diz respeito a Deus, e por fim, terá uma fé irracional – segundo F. Schaeffer.

É como se para F.S. a Bíblia fosse um ser autônomo com vida própria, que falasse por si mesmo. Ele se esquece que a Bíblia precisa de alguém que a interprete!

Temos na Bíblia um conjunto de livros distintos, escritos por diferentes autores em diferentes épocas, não poucas vezes de difícil interpretação (2Pe 3:16). Fatalmente a Bíblia terá alguém por trás dela a interpretá-la.

Comumente difere-se o catolicismo do protestantismo em que no primeiro a tradição e a hierarquia da igreja terá maior autoridade em se interpretar as Sagradas Escrituras, enquanto que no último cada crente é um sacerdote, capaz de de, por si só, ler e interpretar a Bíblia.

Seja no caso protestante ou no católico, a Bíblia estará sujeita à interpretação dos homens. É impossível fixarmos a Bíblia, de forma autônoma, e dizer que o cosmos deve ser interpretado à sua luz. Simplesmente pelo fato de ambos, Bíblia e Cosmos, serem suficientemente complexos.

Por isso creio que em variadas fazes da vida, necessário se faz, abandonar a rigidez da letra para se alcançar a leveza do Espírito. Só assim, o indivíduo poderá transpor as crises da existencial idade humana e alçar novos horizontes.

A Bíblia mesmo oferece-nos exemplos de sobra de sua limitada esfera de ação no viver e no construir da fé.  O melhor deles é que a igreja primitiva viveu um bom tempo sem um Novo Testamento e os patriarcas não tinham nem o Velho.

Ao contrário do Francis Schaeffer defende, a humanidade não tem como não se apegar “autonomamente” a outras fontes epistemológicas, a fim de decifrar o enigma de sua existência. A razão necessita seguir seu caminho, a fé o seu.

Vez a fé será orientada por aquilo que a Bíblia narra, outra vez será orientada por um impulso direto do Espírito, já outra vez será alimentada por outro impulso indireto. Nem sempre tais elementos geradores de fé serão racionalmente explicáveis ou inteligíveis, nem para quem os vivencia nem para os outros.

Francis Schaeffer foi muito rígido em seus pressupostos e errou feio. Ou como disse Ricardo Quadros Gouvêa:

“É um pena que Schaeffer estivesse tão equivocado em suas idéias centrais.”

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A necessidade metafísica

Claro que para uma análise mais detalhada de um capítulo denso como esse que trata do problema da existência das coisas, precisaríamos de muito mais linhas.

Resumirei entretanto minha impressão:

Em primeiríssimo lugar, FS descarta a a-racionalidade1 da questão. E isso é um erro. Questões de fé são resolvidas no âmbito da fé. Ainda que se use a porta da razão para entrar ou sair delas, o nó só se desfará na sala da fé. Fé no sentido mais puro não implica em razão. Não, porque se falarmos de razão, então poderemos descartar o termo fé. A fé vem até mesmo suportar a razão, e é isso que FS faz. Baseado em sua fé ele apresentará as suas razões (que não podem ser tidas como universais).

Nosso mais corriqueiro erro está em achar que a razão sustenta a fé, enquanto que o contrário é que é verdadeiro.

Baseado na fé de um Deus triúno e pessoal Schaeffer irá apresentar suas razões, que são desdobramentos dessa fé – o caminho inverso sempre será traiçoeiro. Eis o problema da apologética: pretende-se baseado na razão chegar a postulados de fé. O resultado sempre é hilariante senão trágico.

Só posso, na verdade afirmar, que existem coisas que não se enquadram no âmbito racional, pois essa é minha fé. Acho que foi Kant quem deu a última cartada nas pretensões racionalistas.

O segundo ponto irá evidentemente perder força se descarto uma urgência racional. Quando FS afirma que existem três respostas possíveis para a existência das coisas, surgiram do nada, de algo impessoal ou de alguém. A força do argumento vai embora quando pensamos que essa existência das coisas está no campo da fé e não da razão, e não adianta o quanto nossa razão se esperneie, sempre poderá haver um contra argumento baseado naquilo que se crê.

Assim para mim o nada pode muito bem representar o Deus infinito, que não se compara a nada do que foi criado. O espírito se assemelha muito mais ao ar, ao vento, do que a uma pedra. A algo invisível, do que a algo concreto.

O problema persiste se digo que o universo surgiu de algo ou alguém. Pois paira a pergunta tão comum às crianças: Mas quem então criou esse algo ou alguém? De que Deus é feito?

Para nós que cremos (e isso é uma questão de fé) está claro que as coisas, o mundo foi criado. O Criador não foi criado. Mas para um incrédulo, até não aceitar esse postulado, e isso se dá via fé – ficará uma questão ou outra. Mas de onde surgiu esse seu Deus: do nada, de algo ou de alguém?

A outra questão que pode ficar (e FS nem sequer aborda isso) é que tudo tenha sempre existido. Não houve um começo. Não existe uma origem. Tanto o pessoal como o impessoal e o movimento se dá em um ciclo eterno.

Os argumentos de Schaeffer se dão baseados nisso e isso não é dito de forma aberta: houve um começo. E logicamente se partirmos da hipótese que houve um começo a pergunta que fica é o que houve antes desse começo. E a resposta lógica acaba sendo Deus, seja lá o que se entenda por Deus.

O outro passo argumentativo de FS está em afirmar então que esse Deus só poderia, logicamente, ser triúno e pessoal. Porque a pessoalidade só poderia se originar de uma suposta pessoalidade divina e a diversidade só poderia vir de uma suposta diversidade divina (que porém una).

Como partilho da mesma fé de FS devo dizer que seus argumentos são fortes. Não posso porém deixar de dizer que me parecem tendenciosos. Pois as perguntas pairariam no patamar da divindade, como então explicar a origem da pessoalidade divina e da diversidade divina.

Transferimos nossas dúvidas para um nível mais resumido, da divindade, do sagrado, e as convertemos em dogmas. Mas não podemos com isso achar que todos os problemas lógicos se resolveram.

1Em contraste ao racional ou irracional.

quinta-feira, 17 de março de 2011

O Demônio das Onze Horas

“Talvez você se lembre um dos filmes de Godard, Pierrot le Fou, em que as pessoas em vez de sairem pela porta, saem pelas janelas. Mas o interessante é que eles não saem através da parede sólida. Goddard está realmente dizendo que, embora ele não tenha resposta, e ao mesmo tempo, ele não pode sair por aquela parede sólida. Esta é apenas sua expressão da dificuldade de considerar que existe um universo totalmente caótico, enquanto o mundo externo tem forma e ordem.” Francis Schaeffer

O interessante aqui, do meu ponto de vista, é o caráter provocativo e contestatário da chamada Nouvelle vague, que se ergue contra os filmes comerciais e previsíveis de então.

O que FS não enxergou é o grito por algo diferente daquela geração. Não é tudo um tratado contra a racionalidade e ordem, mas um grande ponto de interrogação frente a todas as convenções, a toda a ordem e à racionalidade de um mundo que vinha se reconstruindo após sua segunda grande guerra.

Os cineastas como Jean-Luc Godard estavam a busca de algo novo e isso só se consegue, via de regra,  via experimentação.

Embora o argumento de FS seja correto, ao afirmar que exista uma resposta “racional” para a questão antológica, não é de todo correto afirmar que possa não exista uma resposta “não racional”.

O próprio apóstolo nos lembra que se falarmos (usarmos da racionalidade) línguas mil e não tivermos amor, nada seríamos.

Uma conhecida canção evangélica nos lembra que na cruz, num gesto sem palavras, Jesus mostrou amor por nós.

E novamente a Bíblia arremata dizendo que a cruz, é escândalo e loucura, para os que se perdem.

Talvez falta-nos empatia com os que se perdem para encarnarmos essa loucura da cruz em nossas vidas e assim revelarmos a racionalidade de Cristo.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Metafísica, moral e epistemologia

Arregacemos então as mangas. E debulhemos mais esta obra.

Tudo começa com, segundo Schaeffer, a igualdade entre religião e filosofia. Esta igualdade estaria nas questões básicas, que seriam as mesmas.

Paira portanto alguns questionamentos a respeito dessa premissa:

  1. Já disse alguém que quando o cristianismo chegou à Grécia virou filosofia. No princípio contudo não era assim. Será que, de fato, outras religiões estariam também presas basicamente a essas questões filosóficas, em volta da metafísica, moral e epistemologia?
  2. Outro ponto é: Até onde a própria filosofia se limita a essas três questões? Obviamente que elas são pontos fundamentais na filosofia. Mas filosofia envolve mais do que isso. Há também a história, a razão, verdade, lógica e etc. E tudo isso é muito complexo para ser fechado só em três pontos.

De igual modo a religião irá mais fundo, ou até mesmo, mais raso, que tudo isso. A religião poderá, pelo menos segundo o conceito bíblico, está envolvida com coisas meramente práticas como a sobrevivência, com o auxílio a órfãos e viúvas. Poderá passar longe da moral, e todos seus complexos mecanismos e subterfúgios, e manter-se no arroz com feijão de uma vida espartana, longe de todo tipo de corrupção desse mundo.

Concluindo essa primeira pegada, temos que concordar com FS num aspecto. A filosofia não pode ser posta à margem e esquecida. Ela tem sem dúvida um papel importantíssimo. Mas temos que discordar dele ao querer fechar a revelação de Deus numa caixa lógica, de três chaves: metafísica, moral e epistemologia.

Não. Deus se revela, é verdade. Até mesmo no silêncio. Na inexistência das palavras. Longe das questões e do debate moral. Bem à parte do conhecimento humano, dos sábios e entendidos. Pensar o contrário talvez tenha sido nosso grande erro. Forçamos Deus a se expressar dentro de uma lógica, que Ele mesmo nunca corroborou.