quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Rousseau (2)

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“Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.” - Paulo aos Romanos capítulo 5 versículos 7 e 8.

Jesus disse que a maior prova de amor está em alguém dar a própria vida pelos seus amigos. Quando Cristo morreu por nós ainda éramos seus inimigos.

Me lembro certa vez ao papear com um grande amigo de infância, o Fred, que falávamos das maldades de coração humano, e ele logo revidou que também há bons tesouros ali escondidos. Não tive como contra-argumentar…

Eis o dilema: afinal é o homem bom ou mau?

Eis o dilema: afinal é o homem bom ou mau? Existe o homem bom (ou justo) que por ele alguém ouse morrer? Cristo chamou seus discípulos de amigos, mas Paulo destaca que Ele morreu quando ainda éramos seus inimigos. Como sair dessa contradição humana?

Não há saída, somos mesmo contraditórios e permaneceremos assim: “miserável homem que sou quem me livrará do corpo dessa morte!” - Exclama o apóstolo dos gentios.

Rousseau ao ser confrontado por Francis Schaeffer é visto como um falso profeta do modernismo, que levou o homem a se afastar de Deus e levou a sociedade européia (e mundo) ao secularismo. Até que ponto as coisas são de fato assim mesmo?

Entendo da seguinte maneira:

1) Rousseau não falhou ao considerar o homem selvagem como puro e bom. Na verdade o homem civilizado também pode ser puro e bom.

2) A falha de Rousseau está em determinar que a civilização seja a causa dos males e da corrupção moral do indivíduo (embora essa obviamente exerça o seu papel para isso). Obviamente o homem seja ele selvagem ou civilizado é mau e se inclina para a maldade independente do seu ambiente.

Como crentes temos como verdade revelada que o homem foi criado bom (e esse é seu verdadeiro estado primitivo). E essa é a marca que permanece nele apesar da queda: Em sua origem mais remota o homem é bom, foi criado à semelhança de um Deus bondoso. A queda não lhe remove essa marca como não lhe remove necessariamente outras características, mas a deteriora drasticamente em diferentes níveis, dependendo de indivíduo para individuo e dependendo de diferentes situações e estados de espírito em cada indivíduo.

Assim o homem caído é mau (ainda os cristãos são maus) e permanecerá mau  até que haja uma total redenção, daí a necessidade de perdoar e de se pedir diariamente perdão pelos pecados, como o Cristo nos ensina na oração do Pai Nosso.

O que Rousseau e as histórias de Tarzan e Mogli têm de real é que o “progresso” das civilizações trouxe consigo males que o indivíduo primitivo (ou os animais) não possui em seu estado natural. Assim como Adão, os índios e também as crianças recém nascidas estão nus.

Nesse sentido a liberdade proposta por Rousseau tem sua razão de ser: Ela me remete para a solidão, para a isolação.

Como FS a definiu: é a liberdade absoluta.

“A liberdade que advogam é autônoma em que nada há a restringi-la. É a liberdade sem limitações. É a liberdade que não mais se ajusta no mundo racional. Apenas espera e tenta fazer pela força da vontade, com que o indivíduo finito seja livre – e tudo o que resta é expressão própria, expressão pessoal.”

À parte dos exageros, essa liberdade é muito importante hoje. Todavia tem o seu fim, quando esse indivíduo necessariamente encontra a comunidade da qual faz parte, querendo ou não. Somente nesse alternar de solidão e vida em comunidade é que nós conseguimos sermos nós mesmos, deixar que os outros sejam eles mesmos e melhor nos interagirmos.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Rousseau (1)

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Ao ler a introdução da biografia de Rousseau na Wikipedia fica claro a birra que FS deveria ter com ele, afinal como poderia aquele suíço, nascido na Genebra de Calvino, inspirar movimentos como a Revolução Francesa, o Marxismo e o Anarquismo? FS protesta:

“Mudança titânica é esta, que expressa uma situação secularizada. A natureza devorou totalmente a graça e o que lhe foi deixado em seu lugar no “andar de cima” foi o termo `liberdade´”.

A Wikipédia chama a atenção para que

“No fundo, Jean-Jacques Rousseau revela-se um cristão rebelado, desconfiado das interpretações eclesiásticas sobre os Evangelhos. Sempre proferia uma frase: "Quantos homens entre mim e Deus!", o que atraía a ira tanto de católicos como de protestantes.”

Continuando com FS ele afirmou que

“A luta pela preservação da liberdade é sustentada por Rousseau em alto grau. Rousseau e quantos o seguem, mercê de sua literatura e arte, expressam uma decidida rejeição da civilização como o elemento que restringe a liberdade humana. Sentem a pressão no “andar inferior” do homem reduzido a simples máquina. A ciência naturalista se torna um peso muito grande – um inimigo esmagador começa-se a perder a liberdade.”

Para os calvinistas parece não existir maior ameaça à soberania divina do que a autonomia e a liberdade humanas. Mas não seriam estas justamente uma das maiores expressões da graça e soberania divinas?

O problema de Rousseau não seria tanto a opressão da natureza mecânica e determinista mas de um "deus" determinista como Chaui muito bem observou:

“se a ética exige um sujeito autônomo, a idéia de dever não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho a nós? Um dos filósofos que procuraram resolver essa dificuldade foi Rousseau, no século XVIII. Para ele, a consciência moral e o sentimento do dever são inatos, são “a voz da Natureza” e o “dedo de Deus” em nossos corações.

Nascemos puros e bons, dotados de generosidade e de benevolência para com os outros. Se o dever parece ser uma imposição e uma obrigação externa, imposta por Deus aos humanos, é porque nossa bondade natural foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade privada e os interesses privados, tornando-nos egoístas, mentirosos e destrutivos. O dever simplesmente nos força a recordar nossa natureza originária e, portanto, só em aparência é imposição exterior. Obedecendo ao dever (à lei divina inscrita em nosso coração), estamos obedecendo a nós mesmos, aos nossos sentimentos e às nossas emoções e não à nossa razão, pois esta é responsável pela sociedade egoísta e perversa."

Antes de nos voltarmos para Kant farei no próximo Post uma breve análise desta visão de Rousseau que é obviamente falha.

domingo, 7 de dezembro de 2008

O CRISTIANISMO: INTERIORIDADE E DEVER

Para que possamos melhor entender o contexto da época de Rousseau busquei esta análise feita por Marilena Chaui.

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Diferentemente de outras religiões da Antiguidade, que eram nacionais e políticas, o cristianismo nasce como religião de indivíduos que não se definem por seu pertencimento a uma nação ou a um Estado, mas por sua fé num mesmo e único Deus. Em outras palavras, enquanto nas demais religiões antigas a divindade se relacionava com a comunidade social e politicamente organizada, o Deus cristão relaciona-se diretamente com os indivíduos que nele crêem. Isso significa, antes de qualquer coisa, que a vida ética do cristão não será definida por sua relação com a sociedade, mas por sua relação espiritual e interior com Deus. Dessa maneira, o cristianismo introduz duas diferenças primordiais na antiga concepção ética:

  • em primeiro lugar, a idéia de que a virtude se define por nossa relação com Deus e não com a cidade (a polis) nem com os outros. Nossa relação com os outros depende da qualidade de nossa relação com Deus, único mediador entre cada indivíduo e os demais. Por esse motivo, as duas virtudes cristãs primeiras e condições de todas as outras são a fé (qualidade da relação de nossa alma com Deus) e a caridade (o amor aos outros e a responsabilidade pela salvação dos outros, conforme exige a fé). As duas virtudes são privadas, isto é, são relações do indivíduo com Deus e com os outros, a partir da intimidade e da interioridade de cada um;
  • em segundo lugar, a afirmação de que somos dotados de vontade livre – ou livre-arbítrio – e que o primeiro impulso de nossa liberdade dirige-se para o mal e para o pecado, isto é, para a transgressão das leis divinas. Somos seres fracos, pecadores, divididos entre o bem (obediência a Deus) e o mal (submissão à tentação demoníaca). Em outras palavras, enquanto para os filósofos antigos a vontade era uma faculdade racional capaz de dominar e controlar a desmesura passional de nossos apetites e desejos, havendo, portanto, uma força interior (a vontade consciente) que nos tornava morais, para o cristianismo, a própria vontade está pervertida pelo pecado e precisamos do auxílio divino para nos tornarmos morais.

(...)

Tal concepção leva a introduzir uma nova idéia na moral: a idéia do dever. Por meio da revelação aos profetas (Antigo Testamento) e de Jesus Cristo (Novo Testamento), Deus tornou sua vontade e sua lei manifestas aos seres humanos, definindo eternamente o bem e o mal, a virtude e o vício, a felicidade e a infelicidade, a salvação e o castigo. Aos humanos, cabe reconhecer a vontade e a lei de Deus, cumprindo-as obrigatoriamente, isto é, por atos de dever. Estes tornam morais um sentimento, uma intenção, uma conduta ou uma ação. (...) O cristianismo, porém, é uma religião da interioridade, afirmando que a vontade e a lei divinas não estão escritas nas pedras nem nos pergaminhos, mas inscritas no coração dos seres humanos. A primeira relação ética, portanto, se estabelece entre o coração do indivíduo e Deus, entre a alma invisível e a divindade. Como conseqüência, passou-se a considerar como submetido ao julgamento ético tudo quanto, invisível aos olhos humanos, é visível ao espírito de Deus, portanto, tudo quanto acontece em nosso interior. O dever não se refere apenas às ações visíveis, mas também às intenções invisíveis, que passam a ser julgadas eticamente. Eis por que um cristão, quando se confessa, obriga-se a confessar pecados cometidos por atos, palavras e intenções. Sua alma, invisível, tem o testemunho do olhar de Deus, que a julga.

NATUREZA HUMANA E DEVER

O cristianismo introduz a idéia do dever para resolver um problema ético, qual seja, oferecer um caminho seguro para nossa vontade, que, sendo livre, mas fraca, sente-se dividida entre o bem e o mal. No entanto, essa idéia cria um problema novo. Se o sujeito moral é aquele que encontra em sua consciência (vontade, razão, coração) as normas da conduta virtuosa, submetendo-se apenas ao bem, jamais submetendo-se a poderes externos à consciência, como falar em comportamento ético por dever? Este não seria o poder externo de uma vontade externa (Deus), que nos domina e nos impõe suas leis, forçando-nos a agir em conformidade com regras vindas de fora de nossa consciência? Em outras palavras, se a ética exige um sujeito autônomo, a idéia de dever não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho a nós?

Extraído de Convite à Filosofia - O mundo da prática - Marilena Chuaí.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Graça ou Liberdade

FC.0 Antes de fazermos uma boa análise da crítica de FS sobre Kant e Rousseau gostaria de lembrar que o quarto de milênio que nos separam desses pensadores é o mesmo que os separavam da reforma. Ou seja, o pulo é enorme. Ainda que FS faça uma boa ressalva quanto a isso, o pulo é indesculpável em uma análise mais séria.

A esta altura do livro percebo que FS coloca seus próprios conflitos ao longo de sua leitura da história das artes e da filosofia. Assim, não é que a Graça some do andar de cima com Kant ou Rousseau, mas provavelmente para FS, dentro do contextos dos anos 70, essa seria a conseqüência lógica de uma ênfase na liberdade. Basta que lembremos de Dostoievisk, para termos uma idéia da mentalidade da época, “se não existe Deus, tudo é permitido”.

Do meu ponto de vista a Graça e a Liberdade andam bem juntas e uma não anula a outra. Assim, penso, porque existe Deus, tudo é permitido.