Chegamos ao fim de uma era. O Cristianismo virou uma página e ao longo dos anos ficará cada vez mais claro o momento de transição que vivemos. O velho se vai e novo já vai tomando forma.
Francis Schaeffer representa o velho. Embora tenha de alguma forma contribuído para o surgimento do novo ele mais fez fortalecer o velho.
O velho, e roubo aqui parte do debate de Paulo Brabo no Lançamento de seu Livro "Bacia das Almas", é expresso pela mentalidade de que a fé estaria baseada num livro. Esta é a velha mentalidade, que tem como paladino FS e, em sua forma mais extrema, uma série de fundamentalistas (a maioria em continente norte americano).
Aparentemente, com a teologia liberal e tantas outras correntes que contestariam o fundamentalismo, pode-se pensar que essa mudança já havia ocorrido há mais tempo e não seria nada novo. Provavelmente foi Schleiermacher (que não é nem citado por Schaeffer) quem deu o ponta pé inicial nas mudanças. FS, todavia, se desponta (nos anos 70) como a voz do movimento evangelical para dar legitimação intelectual às crenças fundamentalistas.
Ricardo Gouvea assim expressou sua análise do livro de Schaeffer:
A intelectualidade evangélica adotou este livro como alicerce nos anos 70, para enfrentar o existencialismo, o movimento "hippie", o marxismo e a contracultura em geral. O livro convencia que o cristianismo não era incompatível com o estudo e a reflexão. É um pena que Schaeffer estivesse tão equivocado em suas idéias centrais.
Assim a mudança de era foi prorrogada. Mas chegamos até ela. Um dos principais sinais dessa mudança se viu nas eleições presidenciais americanas e a derrota da direita evangélica. Mas não é só isso.
Voltando à frase de Brabo, ele argumenta bem que não se pode fechar uma pessoa em um sistema de palavras. Ou seja, Jesus que é a verdade na qual a fé cristã se assenta, vai além das palavras do livro. Eu particularmente deduzo disso que a fé judaico-cristã não é de fato baseada num livro, mas o livro, sim, é baseado na fé judaico-cristã. Daí sua vital importância.
É lamentável que Francis Schaeffer comece por Aquino e passe por uma série de personalidades da história somente pescando desacordos e tentando apontar desatinos em suas filosofias e maneiras de ver o mundo.
Ao longo desse Blog e da leitura que fiz de "A morte da razão" pude ver que, ao contrário do que FS afirmava, cada um deles tinha alguma contribuição interessante para a fé cristã.
A tese central de Francis Schaeffer é de que a razão humana, sem o apoio da Bíblia, estaria morta. Esse teria sido o erro de Aquino, acreditar que haveria razão viva sem a Bíblia. Uma vez baseado na Bíblia poder-se-ia argumentar em termos racionais com qualquer pessoa. E era justamente essa a tarefa dos crentes frente ao desafio do homem moderno, mostrar que a fé é racional, desde que baseada na Bíblia.
Aquela tese, tão comumente aceita nas fileiras evangélicas, se mostrou todavia falha, na prática. Não só por causa do fiasco que foi George Bush. Tanto nos USA como no Brasil, proliferaram escândalos de todo tipo protagonizados por pessoas, e fundamentados racionalmente por pessoas, que tinham a Bíblia como sua única regra de fé e prática.
A fé, descrita pela própria Bíblia, muitas vezes prescinde do elemento racional. Hora ela o aceita, hora (e são muitas essas vezes) o rejeita. Daí a necessidade d'o salto' (tão combatido por FS).
A era pós-moderna chegou e trouxe com ela esse subjetivismo que permite ao indivíduo vivenciar sua fé, de acordo com os (ou além dos) limites de sua própria racionalidade. Não há como extrair do ser humano o elemento existencialista descoberto por filósofos franceses e tantos outros.
Esse é o desafio que se coloca frente à igreja cristã de nosso tempo: como se reinventar em uma lógica onde a Bíblia (e as pregações) não seja mais o centro da vida comunitária (ou da fé comunitária)?
Minha sugestão fica (contra)baseado em outro título de Francis Schaffer: "um Deus que fala". É hora da igreja recolocar a tônica no Deus dos antigos que era primordialmente "um Deus que ouve".